quarta-feira, abril 28, 2010

"Os Jardins da Memória"





“Quando o jardim da memória começa a desertificar-se, acarinhamos as suas últimas árvores e as suas últimas rosas, tememos por elas. Para evitar que sequem e desapareçam, acaricio-as, rego-as de manhã à noite! Não faço outra coisa que não seja recordar e voltar a recordar, com medo de esquecer!

Você meteu-se na cama. (…) Muito em breve, adormecerá, e esquecer-se-á de tudo no escuro, de tudo.
Vai esquecer-se de tudo: o poder implacável dos seus superiores, as palavras inconsideradas deles, a sua estupidez, o trabalho que você não pôde terminar, a incompreensão, a deslealdade, a injustiça, a indiferença, e os que lançam contra si acusações e os que estão prestes a fazê-lo, as suas preocupações monetárias, o tempo que passa depressa de mais, o tempo que não se decide a passar, tudo isto e todos os que não voltareis a ver, a sua solidão, a sua vergonha, as suas derrotas, os seus infortúnios, o seu estado tão lastimável, em breve terá esquecido tudo isso. E sentir-se-á feliz porque vai esquecer tudo. Fica à espera.
(…)
E todavia, continua a não conseguir adormecer.”

in “Os Jardins da Memória” de Orhan Pamuk


O livro é fantástico e adoro o autor, mas não devo ter escolhido uma boa altura para pegar nele.

Lida muito com a questão da memória e do tempo, com a percepção que temos de nós versus percepção que os outros têm de nós. Mais uma vez, Istambul é uma personagem proeminente.

É deprimente à brava, o que não é necessariamente mau. Apenas não deve ser lido quando se está um bocadinho em baixo.

As duas citações escolhidas são muito relevantes para mim. As minhas flores do jardim da memória também vão murchando e não é preciso dizer quantas vezes fico acordada por causa de problemas, sobretudo de trabalho.

3 comentários:

Gi disse...

Para tudo temos os nossos momentos. Para tudo mesmo!

Hannah disse...

Enquanto lia a primeira citação, só pensava "é por isso que tiro tantas fotografias", "é por isso que fotografo tudo o que mexe e não mexe". Um dia tenho medo de não me lembrar. Além disso, nas fotografias ficam tantas coisas que já não são e que recordamos com carinho. Enfim... dava muita conversa.

Precious disse...

É verdade, Gi.

Hannah, a minha obsessão por fotografar tudo vem daí. E a quantidade de fotos que já não sei bem o que retratam.